Pastoral
O censo feito por Davi (2Sm 24:1 e 1Cr 21:1)
Os versículos referidos acima têm a ver com o censo que o rei Davi mandou Joabe fazer em Israel. Recomendo a leitura deles nas versões NAA, NVI e NVT. O episódio, que é narrado em dois livros distintos, dá ocasião ao surgimento de uma aparente dificuldade de interpretação. Afinal, Deus ou Satanás foi o desencadeador da atitude de Davi?
É importante considerar o contexto envolvendo o levantamento do censo para esclarecer melhor a questão. Outra vez os israelitas despertaram a ira divina (2Sm 24:1). Há cerca de três anos, o povo de Israel tinha sido castigado por Deus por meio da fome, por causa da infidelidade (2Sm 21:1). Liderados pelo rei Saul, a nação pecou matando os gibeonitas, descumprindo um voto firmado com esse povo ainda na época de Josué (2Sm 21:2; cf. Js 9:3-15).
No episódio do censo, Deus também estava irado com seu povo, porém o autor do texto não especifica o(s) motivo(s). Joabe, comandante do exército do rei, parece perceber que a intenção de Davi não era lá muito nobre ao dar a ordem para o levantamento (2Sm 24:3-4). Aparentemente o orgulho pelas grandes conquistas sobre seus inimigos se apoderou do coração do rei. Após a realização do censo, Davi parece ter caído em si e percebido o que de fato o teria motivado (2Sm 24:10). Mas, afinal, por que o rei insistiu nisso? Quem o persuadiu a continuar: Deus ou Satanás?
A resposta adequada deve levar em consideração três pressupostos claramente revelados nas Escrituras Sagradas, pelo menos. 1) Deus é soberano, tudo faz para cumprir seus propósitos e nenhum dos seus planos podem ser frustrados (Jó 42:2; Is 43:13; At 2:22-23; 3:18); 2) Satanás, embora tenha algum poder dado por Deus, é limitado e também pode ser usado para o cumprimento dos propósitos divinos (veja o caso de Jó e do apóstolo Paulo com seu “espinho na carne”); e 3) o homem é chamado à responsabilidade pelos pecados que comete (Adão e Eva não puderam transferi-la para o diabo; Caim foi alertado a controlar seus maus sentimentos; até os salvos serão julgados individualmente por suas obras para recebimento de galardão).
Isto posto, podemos dizer que a melhor forma de interpretar 2Sm 24:1 e 1Cr 21:1 é admitir que Deus, em sua soberania e para disciplinar seu povo, permitiu que Satanás tentasse Davi a se ensoberbecer e a levantar o censo, numa atitude pretensiosa, arrogante. O rei, por algum momento, esqueceu que foi Deus quem o sustentou até aquele momento. É possível encontrarmos outros relatos de Deus utilizando seres ímpios para disciplinar seu próprio povo. A Assíria foi usada pelo Senhor para destruir o Reino do Norte. A Babilônia o foi para castigar o Reino do Sul. Isso pode parecer estranho, mas é real. O profeta Habacuque ficou inicialmente perturbado quando Deus revelou a ele que seu povo seria disciplinado por meio dos caldeus, uma “nação amarga e impetuosa” (Hc 1.5). Os filisteus diversas vezes foram instrumento de Deus para disciplinar Israel.
Seja lá o que Deus fizer e como fizer, podemos estar certos de que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28) e de que “Ele mesmo julga o mundo com justiça; julgará os povos com retidão” (Sl 9:8).
Pr. Albert Iglésia